segunda-feira, 17 de março de 2008

A Paixão de Maria Madalena

Gostaria de apresentar aqui um texto de Frei Jacir muito oportuno esta quadra:

Na Semana Santa, a nossa fé revigora-se ao celebrarmos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. E a “paixão nossa de cada dia” revigora-se em Jesus, na certeza que não morreremos, mas viveremos em Jesus ressuscitado.
Tomo a liberdade de reler a ressurreição de Jesus a partir de Madalena, essa mulher que está em voga, após o sucesso editorial da ficção Código Da Vinci. Maria Madalena viveu intensamente a experiência da paixão e ressurreição de Jesus. Madalena não foi prostituta, mas apóstola da ressurreição e mulher que Jesus tanto amou. Assim nos contam os apócrifos e, sobretudo, o Evangelho Apócrifo de Maria Madalena. Resquícios disso se encontram no Evangelho canónico de João 19, 25; 20,1-18, ao relatar o encontro de Maria Madalena com Jesus, junto à cruz e no túmulo. Um misto de paixão e ressurreição envolve essa relação de amor, expressa na cruz, no túmulo, nas flores, no adeus...
Ao pé da cruz, Madalena contempla o seu amado morto. A cruz simboliza a morte violenta, o fim de tudo. No entanto, ela quer retê-lo com vida, mas isto não lhe é possível. Maria Madalena sabe que o seu amado não pode morrer. Por isso, ela não pára junto à cruz. Põe-se a caminho, em busca de Jesus.Ela quer encontrá-lo noutro lugar que não seja na cruz, embora esse seja o lugar daqueles que amam em profundidade. O caminho a fazer é o de quem não pára na morte, pois a vida é sempre um caminhar. A pressa de Madalena demonstra o seu desejo incomensurável de trazer de volta o amado que se foi. É impossível não caminhar, quando se sabe que no final da jornada o amado estará à espera da paixão que nunca morreu.O túmulo é o nada, o silêncio. É cada um de nós morto com aquele que jaz eternamente. É o vazio existencial mesclado com o desejo de trazer de volta quem amamos. É um amontoado de pedras que guarda o amor das nossas vidas. As flores no túmulo representam a gratidão e a saudade do amado que partiu. As lágrimas cristalizam-se nelas, por isso, elas não murcham nunca, pois vivem dentro de quem ficou. A vida é assim! Chega um momento em que não mais é possível chorar pelo ente querido.Ai de nós se as flores não existissem. Mas, ainda assim, resta a saudade, vontade de ver e possuir de novo o amado. A saudade é quase como a morte, e ela só deixa de sê-lo quando se compreende que o amado vive para sempre e sempre viverá, ainda que ausente. No encontro de Maria Madalena com Jesus está o desejo de possui-lo para sempre.Madalena quer tocá-lo. O amor é assim, provisório e ilimitado. Jesus diz a Maria Madalena: vai e diz aos apóstolos, teus companheiros de caminhada, que eu volto para a casa de meu Pai. Sê tu a força na caminhada deles. E eles estarão contigo no caminho do amor.Maria Madalena, nesse momento, compreende que Jesus vive dentro dela. Não há mais que procurar a não ser ela mesma. Isso é a ressurreição! Na partida, um adeus: um ficar com Deus, o amado que vive eternamente no mistério da procura. No adeus, a eterna ressurreição, certeza do encontro definitivo da vida em Deus, em Jesus, que não morre mais. Maria Madalena foi dizer aos seus companheiros: Jesus vive eternamente. Ele não morreu, pois o amor é eterno.Pedro encontra-se com Maria Madalena e dela recebe o anúncio da ressurreição. “Nesse encontro uma surpresa: a fiel rocha de Pedro esmigalhou-se como areia, mas a fé de Maria foi verdadeiramente uma rocha. A parte masculina do amor revelou-se em energia, pois forte é a feminilidade. O sol do amor masculino põe-se na morte, o sol do amor feminino nasce na ressurreição”.Frei Jacir de Freitas Faria, OFM (24/03/2005) - Sacerdote franciscano, escritor, mestre em Ciências Bíblicas, professor de exegese bíblica, hermenêutica de textos antigos em cursos de Teologia e Pós-Graduação em Ciências da Religião e pesquisador dos escritos apócrifos.


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